A Igreja Católica não se cansará em fazer apelos proféticos e advertências no horizonte do necessário zelo pela Criação. Iniciou setembro com a celebração do 10º Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação e, durante todo o mês, intensifica iniciativas que buscam consolidar a compreensão sobre a relação intrínseca entre meio ambiente, o conjunto da Criação, com Deus-criador. Deus confia ao ser humano a regência do meio ambiente, uma responsabilidade lamentavelmente confundida com depredação e exploração que provocam esgotamentos. A humanidade sofre com as consequências que impactam, ainda mais, a fatia empobrecida e deserdada da população. O tom de denúncia e advertência da Igreja Católica, por isso mesmo, é convite-convocação no horizonte do ano jubilar da esperança: que se resgate, de modo robusto, a consciência cidadã capaz de inspirar corresponsabilidade no tratamento e usufruto dos diferentes bens da Criação.
Sementes de esperança precisam ser lançadas sem adiamentos, com grande frequência, para reverter situações graves que ameaçam a natureza e, consequentemente, prejudicam os seres humanos. Obviamente, trata-se de uma questão cidadã candente, mas também um compromisso de fé. Isto significa que, por princípios enraizados na fé e a partir de adequado exercício da cidadania, é urgente adotar novo estilo de vida, inspirado na perspectiva da ecologia integral. Esse novo estilo precisa garantir equilíbrio no relacionamento com a casa comum, com reflexos determinantes na promoção da vida, constantemente ameaçada. A cidadania, então, está desafiada a compreender-se como semente de esperança e adequadamente discernir sobre as dinâmicas da natureza, sempre generosa e pródiga.
Na sua mensagem deste ano para o Dia de Oração pela Criação, o Papa Leão XIV ilumina o horizonte humano com a referência das flores que crescem à beira da estrada: ninguém as plantou, mas elas crescem graças a sementes que foram parar ali quase que por acaso e conseguem decorar o cinzento do asfalto e até mesmo penetrar na sua dura superfície. Diante da generosidade da natureza, exige-se também do ser humano a disponibilidade para gestos de renúncia e de oferta, em substituição ao comportamento mesquinho de buscar explorar, até a exaustão, os recursos naturais. Assim, neste tempo, de 1º de setembro a 4 de outubro, Festa de São Francisco de Assis, sejam intensificadas orações e iniciativas para que o ser humano se abra à ação amorosa do Espírito Santo e se capacite para reconhecer o carinho de Deus a partir de sua Criação, equilibrando o relacionamento da humanidade com a natureza.
O planeta está “caindo em ruínas” e a relação entre o esgotamento da Terra com a disseminação da injustiça é incontestável. Torna-se cada vez mais urgente superar manipulações oligárquicas, violação de direitos, a hegemonia da ganância que provoca desflorestamento, poluição e perda da biodiversidade. O Papa Leão XIV se refere à palavra do Papa Francisco, na Carta Apostólica Laudate Deum, para lembrar que os fenômenos naturais extremos, causados pelas alterações climáticas provocadas pelos seres humanos, estão aumentando de intensidade e frequência. Desconsiderar a influência humana sobre esses efeitos, ignorando o compromisso com a justiça e a paz, pode devastar a humanidade. Igualmente perigosa é a equivocada compreensão sobre o que significa desenvolvimento, deixando de contemplar a sua dimensão integral e humanística. Tratar a natureza como uma simples mercadoria, buscando apenas ganhos econômicos e políticos, acentua a desestabilização social, a distribuição desigual dos bens com pesadas penalizações aos mais fracos e vulneráveis.
O ser humano não pode pretender um domínio despótico sobre a natureza. Ao invés disso, espera-se um adequado zelo com a obra do Criador, revelado no compromisso de proteger e não simplesmente usufruir, menos ainda depredar os bens da Criação. O Papa Leão XIV, em sua mensagem, sublinha a importância da justiça ambiental, anunciada pelos profetas como realidade exigida e providência a ser adotada. Justiça ambiental é mais que a simples e necessária proteção do meio ambiente, pois é indissociável da justiça socioeconômica. Todos são chamados a ser guardiões da obra de Deus. É hora de lançar sementes concretas, a partir de ações e projetos, efetivando um caminho educativo sobre a ecologia integral. São sementes de esperança aquelas que inspiram a conversão ecológica, a partir da correção de rumos, com adequadas legislações que contribuam para a adoção de um novo estilo de vida.Zelar pela Criação significa efetivamente construir a sociedade sobre os alicerces da fraternidade solidária. Diante de tanta ganância, trata-se de um grande desafio, que pode ser vencido com o auxílio da oração. E a beleza da Criação, que se desdobra em muitas lições, é fonte de inspiração para o ser humano em seus momentos de preces. As lições conquistadas na oração que se inicia a partir das belezas da obra de Deus são sementes de esperança. Lições que se desdobram no efetivo zelo pela Criação.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte