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Artigo de dom walmor

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Saber esperançar é alcançar fortaleza e lucidez para enfrentar as dinâmicas do mundo contemporâneo – inadiável tarefa. Sugestiva é a expressão da cultura popular que ensina: “a esperança é a última que morre”, infundindo ânimo e coragem para superar as labutas cotidianas. O apóstolo Paulo orienta “esperar contra toda esperança”. Isto significa buscar uma dimensão espiritual com propriedades para ultrapassar estreitezas de uma simples esperança, alimentada por expectativas, promessas ou jogos. A luz da esperança alicerçada na fé é o candeeiro que ilumina rumos, escolhas e conquistas, em um mundo de muitas sombras, fechado sobre si mesmo. Uma realidade marcada pelo acirramento de tudo o que está na contramão do viver humano em plenitude. A luz da esperança conduz a um saber essencial para dar rumos novos à humanidade, à vida de cada pessoa, sustentando um dia após o outro.

Os retrocessos civilizacionais que ferem a sociedade contemporânea indicam a necessidade da luz da esperança. Não se trata de uma aposta cega e inconsistente, mas compromisso com uma nova ordem social, política e cultural. Uma nova ordem que permita a superação das guerras e dos fracassos que disseminam, ainda mais, o medo paralisante. Esse medo conduz o ser humano à indiferença, aos distanciamentos, particularmente dos pobres e dos vulneráveis. Ao contrário do medo que paralisa, a necessidade urgente deste tempo diz respeito à prática do bem, com amor, justiça e solidariedade. E nesse caminho, conquistas podem ser alcançadas quando se cultiva o saber esperançar – habilidade para edificar o que é necessário à realidade atual, superando a indiferença que configura muitas situações emolduradas pela mesquinhez.

Saber esperançar é abrir-se ao mundo. Isto pode levar à abertura do próprio mundo que está fechado. A lógica do saber esperançar tem força para impulsionar inovadoras atitudes, bem diferentes daquelas que se alicerçam na tentativa crescente de dominar o semelhante. Modos de agir que também se distinguem de projetos mesquinhos e excludentes, promotores de uma verdadeira semeadura do desânimo.  Assim, saber esperançar é itinerário para novos rumos que levam à vitória sobre o medo paralisante, à superação de escolhas e ações injustificáveis. E a fé cristã é importante fundamento para a experiência e a aprendizagem do saber esperançar. A esperança cristã é fidedigna e oferece propriedades que renovam a coragem de perseverar – jamais desistir do bem.

Na contramão do saber esperançar está a desesperança, plataforma do fracasso. Os desesperançados também correm mais risco de praticar absurdos na defesa de si e em prejuízo do bem de todos. Cabe, pois, a pergunta: em que consiste esta esperança cristã, fonte do saber esperançar? Sua configuração, acima de tudo, indica que saber esperançar, com consistência, é habilidade cultivada no encontro com Cristo. Sem Deus, toda esperança perde fundamento e sustento. O viver humano precisa ancorar-se em uma esperança que lhe faça avançar, contemplando horizontes que se configuram para além das evidências ou de lógicas técnicas. Saber esperançar é desvencilhar-se de um mundo tenebroso e não fadar-se a um futuro obscuro. Os cristãos são chamados à adoção de dinâmicas e de valores alicerçados na sua fé, capazes de proteger a vida de fracassos e vazios existenciais.

O Evangelho de Jesus Cristo, mais do que narrativas de fatos, oferece mensagem capaz de gerar mudanças e configurar entendimentos novos, que revestem a vida de sentido, mesmo quando são enfrentados obstáculos e vicissitudes. O ser humano não dá conta de um viver assentado em aparências ou alimentado por esperanças fugazes. Não basta, pois, alcançar reconhecimento nas ordens institucional e social, nem acumular riquezas e bens. Ora, o cristão sabe o que esperar do futuro, embora não o conheça em detalhes: a vida não acaba no vazio.  Quem tem essa esperança conquista novo modo de viver, dando qualificado rumo à própria existência a partir de uma adequada competência humana e espiritual.

Ressalte-se que a fonte da esperança cristã é o encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo. Ora, conhecer o Deus verdadeiro é abrir-se à esperança que se acende, feito luz, conferindo luminosidade à vida. Uma luminosidade que capacita o ser humano a enfrentar com destemor até o mistério da morte, inspirando modos de agir no mundo emoldurados por qualidade humanística e espiritual.  Saber esperançar tem incidências relevantes na mundividência e nas interpretações que orientam a conduta de cada pessoa. No horizonte da esperança cristã podem ser reconhecidos adequados critérios para um qualificado exercício da cidadania e do poder político, contribuindo para avanços na promoção da justiça e na efetivação da amizade social.

A vida não é um simples produto das leis e da matéria. Quem aprende esperançar ampliando o horizonte de compreensão sobre a existência humana encontra o caminho da verdade, pauta-se por ela. Consegue, assim, lidar de modo diferente com as circunstâncias todas do seu viver, até o seu sentido último, ultrapassando o tempo e o espaço. A esperança cristã é luz que se projeta sobre as obscuridades contemporâneas, e o seu cultivo reveste o ser humano de uma grandeza capaz de sustentá-lo em seus desafios, sofrimentos, a partir da consciência de que o viver não termina com a morte. Neste tempo de tantos desapontamentos e contradições, saber esperançar é remédio e sabedoria.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

 

 

Ilustração: Jornal Estado de Minas

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