A verdade capital “Deus escolhe os pobres” é título do segundo capítulo da Exortação Apostólica Dilexi te (Eu te amei), do Papa Leão XIV. A verdade anunciada pelo Papa aponta a direção capaz de libertar a sociedade contemporânea das crescentes violências, com organizações criminosas por toda parte, das indiferenças em relação aos pobres, com a carência de sensibilidades essenciais à qualificação da cidadania e da cultura. Compreender que Deus escolhe os pobres é conquistar lógicas que libertam o ser humano da escravidão imposta pela lógica do mercado, com a hegemonia sedutora do dinheiro. Trata-se de um horizonte iluminado e iluminador, ponto de partida na configuração de uma sociedade mais justa e fraterna. Entender porque Deus escolhe os pobres permite construir soluções lúcidas para os desafios atuais, inspirando uma política honesta capaz de ajudar a transformar a realidade.
Ao escolher os pobres, Deus oferece a cura para a mesquinhez que nasce nas estreitezas humanas, responsáveis por cenários de miséria, exclusões e discriminações. Vale deixar-se interpelar pelas lógicas inesgotáveis que nascem da escolha de Deus: ao escolher os pobres, movido por seu amor misericordioso, Deus desce até seu povo, em um gesto de proximidade, para vencer a escravidão, os medos, o pecado e o poder da morte. Não fica de longe e manda intervir na realidade. Ele mesmo assume a condição humana - igual em tudo, exceto no pecado. Entra nas circunstâncias da humanidade e preocupa-se com a sua pobreza. Por isso se fez pobre, fazendo-se próximo. Trata-se de uma preferência, sem exclusivismos, sublinhando a singularidade do agir de Deus, que se dedica aos sofrimentos causados pela pobreza. Um caminho espiritual que também precisa orientar o agir humano.
Deus se torna o modelo inspirador ao se fazer, como mostram muitas páginas do Antigo Testamento, amigo e libertador dos pobres. Inspira, através dos profetas, o compromisso de combater as iniquidades contra os mais fracos, inspirando um agir cidadão em favor dos pobres. Se os cidadãos e as instituições não escolhem os pobres, podem não priorizar as necessidades essenciais ao ser humano. Da mesma forma, a intervenção do Estado torna-se insuficiente ou enfraquecida quando não há escolha pelos pobres. As políticas públicas se arrastam e as manipulações e interesses imorais tomam o lugar principal. Sem amor e compaixão dedicados aos pobres não se edifica uma sociedade justa e solidária, mas dá-se oportunidade ao que descompassa a civilização contemporânea. Opção pelos pobres é espiritualidade e fé, também uma maneira de, adequadamente, exercer a cidadania, fonte da sensibilidade que equilibra relações sociais.
A distância em relação aos pobres contribui para multiplicar discursos políticos sem incidência transformadora, decisões judiciárias parciais, novas formas de criminalidade, de depredação do meio pelo extrativismo ganancioso. A sociedade se torna ambiente da violência, da luta armada, dos preconceitos e das discriminações, lugar onde cada vez mais pessoas são desrespeitadas em sua dignidade e direitos. Por não se escolher os pobres, acentua-se o abismo da desigualdade. Enquanto muitos estão mendigando, incapazes de se prover do necessário, socialmente excluídos, outros acham-se no direito de esbanjar, de agir gananciosamente, indiferentes diante do dever de contribuir para o equilíbrio social. Sentem-se satisfeitos com as próprias garantias. A escolha dos pobres é caminho para superar a perversidade da lógica dos cálculos e das vantagens. Essa lógica compromete o adequado exercício da cidadania, pois impõe um modo de viver egoísta. Jesus, segundo narra o evangelista Lucas, deu um conselho que pode incomodar aqueles que somente conseguem enxergar a partir da lógica dos cálculos e das vantagens. Ele ensina: quando se der um banquete, os convidados não sejam os amigos, nem parentes, irmãos ou vizinhos ricos, mas sejam convidados os pobres, porque não terão como retribuir. Um apelo e uma indicação terapêutica para o equilíbrio humano e social das relações em comunidade e na sociedade.
A Igreja Católica, no tesouro de sua tradição bimilenar, tem preciosidades para compartilhar e ajudar a sociedade na superação de desafios. A especialidade da Igreja em humanidade nasce de sua opção preferencial pelos pobres, uma escola que ensina o caminho para o desenvolvimento humano integral e igualitário. A opção pelo pobre é fonte de sabedoria e intuições que podem equilibrar as relações sociais e políticas, vencendo a lógica hegemônica do dinheiro. A sociedade não terá saída para seus graves problemas se não souber priorizar o pobre. Continuará refém de justificativas para inércias e indiferenças. Prevalecerá a repetição de medidas inócuas com discursos populistas e interesseiros. A opção pelos pobres é caminho de salvação e horizonte inspirador ante a urgência de se construir um novo mundo. Uma realidade melhor, mais justa e fraterna, possível de ser alcançada desde que a humanidade defina suas prioridades inspirando-se em Deus, e Deus escolhe os pobres.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
