Santuário Arquidiocesano

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Artigo de dom walmor

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A fé é fonte que faz brotar motivações com força para promover mudanças profundas no coração humano e no tecido social. Uma experiência autêntica da fé, na mais singela simplicidade, transforma a vida, modifica objetivos pessoais, qualificando as relações entre seres humanos e com o meio ambiente. Qualificar o modo como as relações humanas se entrelaçam é uma demanda gritante, uma vez que se constata a preocupante deterioração desses relacionamentos, com claros reflexos que se expressam no recrudescimento de violências em diferentes substratos da sociedade. Essa deterioração tem um contraponto na experiência autêntica da fé.

Quando se professa que Deus vendo a sua obra, considerou-a muito boa, fica explicitado o remédio que cura disputas e posses gananciosas dos bens da terra, ao se reconhecer, como sublinham os ensinamentos bíblicos, já desde o antigo testamento, que tudo pertence a Deus criador, proibindo-se vender qualquer terra porque tudo é D’Ele. Esse entendimento fomenta a compreensão saudável e real de que os seres humanos são apenas estrangeiros e hóspedes d’Aquele que é o dono único e absoluto de tudo. Trata-se de uma concepção antropológica, expressa com uma simplicidade que pode levar racionalidades a considerá-la superficial, ou mesmo irreal, não permitindo as necessárias correções nos desvios incrustrados no entendimento do que é o poder.

Compreende-se, pois, que a natureza não pode ser tratada como instrumento para alimentar ambições. O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Laudate Deum, indica que é preciso lucidez e honestidade para reconhecer, em tempo, que o poder e o progresso gerados estão se voltando contra o próprio ser humano, criando situações degradantes. Então, o Papa fala de um aguilhão ético para explicitar a decadência do poder real, disfarçada pelo marketing e pela informação falsa ou manipulada, mecanismos úteis nas mãos de quem tem maiores recursos para influenciar a opinião pública. Há conhecimento de denúncias sobre a utilização destes mecanismos para convencer habitantes de regiões com fortes impactos ambientais, acerca das vantagens e oportunidades econômicas e ocupacionais, obscurecendo a visão transparente das suas consequências. Não se posicionam com transparência, escondem os efeitos devastadores destes projetos que geram  desolações, lugares  inóspitos, sem sinais de esperança.

Ao apontar o efêmero entusiasmo pelo dinheiro recebido em troca de depredações e de situações irreversíveis de perdas, observa-se, obviamente, que a economia tem aí uma voz preponderante quando não demonstra preocupações sustentáveis no tratamento da casa comum. Rege-se simplesmente pela lógica do lucro, progressos e promessas ilusórias, envolvendo os pobres, como vítimas encantadas com migalhas que caem da mesa. Remete-se à fundamental interrogação sobre qual é o sentido da vida. A lógica da economia tem força de sedução e domínio, contudo, a fé tem luz própria. Alimentada por motivações espirituais, possibilita evidências de parâmetros éticos por meio de valores e princípios inegociáveis. Nesta experiência brota-se e cultiva-se uma sabedoria relevante com força de capacitar a ação humana, conforme parâmetros éticos e com propriedade para vencer as lógicas sedutoras de conquista exacerbada de riquezas e bem estar, em detrimento da natureza que vai sofrendo esgotamentos.

Esta atual realidade aponta a sempre urgente e oportuna necessidade de se repensar as formas que o ser humano exerce o poder, sob pena de fracassos humanitários. A mortal indiferença diante dos pobres da terra e do já em curso, esgotamento dos bens da criação, pode aumentar o poder de uma fatia menor da humanidade, na contramão do que se espera e é necessário como progresso. O entusiasmo pelo progresso, não raramente cega, obscurecendo os seus devastadores efeitos. Esse fenômeno se dá no âmbito tecnológico, bem como no tratamento predatório e perversamente extrativista do meio ambiente. Torna-se a fé, como a professada no horizonte rico e sempre atual do cristianismo, a luz que revela a riqueza e as interpelações envolvendo valores e princípios inegociáveis.

A fé, à luz da presença e da palavra de Deus, é referência que guarda dinâmicas e mecanismos éticos com propriedades para despertar o sentido de limites, de controles e do respeito, apartado das exigências mesquinhas de se ganhar mais, infinitamente mais, às custas de prejuízos que desequilibram a organização social, ignorando o compromisso de consideração pela inteireza da inviolável dignidade de toda pessoa humana. Os bens da criação devem ser administrados, igualmente, para o bem e pelo bem de todos. A perda deste sentido é o risco terrível de se alimentar um desarvorado instinto de exploração desenfreada, sustentando ambições insaciáveis e perversas, que ratifica a crescente brecha entre ricos, cada vez mais ricos, e pobres, cada vez mais pobres.

Um horizonte de conversão que transforma caminhos e atitudes é iluminado pela fé, convencendo da necessidade urgente de se caminhar em comunhão, com responsabilidade, zelando de modo comprometido pelos bens da criação e pelo bem igual de todo ser humano, defendendo-o como centralidade, sem desrespeitar e depredar as outras criaturas. Um aguilhão ético que incomoda e precisa ser enfrentado pela luz de algo maior, apontando o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus como o átrio, onde todos precisam se encontrar e ser interpelados, especialmente pela celebração da Semana Santa, um banho de conversão e compromisso ético.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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