Santuário Arquidiocesano

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Santo Antônio de Roça Grande – Sabará

Flávia Costa Reis[1]

memorialhistoriadorinv@arquidiocesebh.org.br

Hebert Gerson Soares Júnior[2]

inventario@pucminas.br

O povoamento da região de Roça Grande se deu já nos primeiros anos da ocupação mineradora, no início do século XVIII, a partir da exploração do ouro e da busca por pedras preciosas empreendida por sucessivas entradas de bandeirantes no território das minas. A bandeira de Fernão Dias Paes, a mais importante delas, fixou, inicialmente, três arraiais ao longo de seu percurso: Ibituruna, São Pedro do Paraopeba e Sumidouro. Entre esses arraiais, estabeleceram-se “pousos” que, com o passar do tempo, evoluíram para roças de abastecimento para as regiões mineradoras. Assim ocorreu com a paragem denominada Roça Grande, ponto de passagem entre a feitoria de São Pedro do Paraopeba e o que viria a ser o arraial do Sumidouro:

Desse ponto [São Pedro do Paraopeba] marchariam para o norte, margeando o rio, até uma de suas voltas mais acentuadas, onde alcançariam o pouso mais tarde denominado Roça Grande, um dos pontos mais antigos da região, senão o mais antigo. (…) Da famosa Roça Grande, futura residência do genro de Fernão Dias Pais, o Capitão Manuel de Borba Gato, prosseguiriam até o local mais tarde conhecido por Sumidouro. (BARREIROS, 1979, p. 56).

A primeira menção documentada sobre a localidade é datada do ano de 1702 e identifica-a com o nome de “Arraial do Rio das Velhas”, porém a partir de Ato de 09 de junho do mesmo ano, adotou-se o nome “Arraial de Santo Antônio do Bom Retiro do Rio das Velhas” (PASSOS, 1942, p. 172). Supõe-se que a alteração no nome do arraial, deva-se à edificação de uma capela dedicada a Santo Antônio, que, nesse momento estaria se não pronta, pelo menos em construção. Seu terreno foi doado, posteriormente, por Manuel de Borba Gato à Confraria de Santo Antônio, através de Carta de Sesmaria, lavrada pelo então Governador Antônio de Albuquerque, no ano de 1711.

A freguesia, de instituição episcopal, é possivelmente do ano de 1707, uma das mais antigas das Minas, sendo elevada à categoria de colativa somente no ano de 1724, com a denominação de Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Grande, tendo como primeiro vigário colado o Padre Manuel Pereira Godim (TRINDADE, 1945, p. 253). A região parece ter entrado em decadência em meados do século XVIII, pois, a partir de 1744, uma extensa troca de correspondência revela o desejo de transferência da sede da freguesia para Santa Luzia, o que apenas se concretiza no ano de 1779, após longo processo com Ordens e revogações. Os motivos citados eram a escassa população local, as frequentes enchentes do Rio das Velhas, que podiam alcançar a igreja, e “a indecência do lugar em que se encontra a Matriz antiga” (Dom Frei Manuel da Cruz, 1749, Apud TRINDADE, 1945, p. 269-270), em contradição com Santa Luzia, “por ser a Igreja daquele arraial nova, grande, e bem paramentada, não tendo nada disso a Matriz antiga”.

Devido ao seu estado de conservação precário, a Igreja de Roça Grande passa, assim, à condição de capela curada “[…] mas sem perder a prerrogativa, e uso de Tabernaculo, ficando obrigado o Paroco à conservar n’ella um Capelão Coadjutor, o que confirmou a Provisão Régia de 6 de Setemb. de 1779 […]”. (ARAÚJO, 1822, p. 105). Ao visitar a capela, entre os anos de 1822-1825, Dom Frei José da Santíssima Trindade, constata, no entanto, que a mesma “[…] acha-se sem capelão pela nímia pobreza dos seus moradores […]” (1998, p. 135).

Nesse período surge uma das narrativas mais significativas para a religiosidade local. Segundo se conta, a imagem do padroeiro, Santo Antônio, deveria ser levada para a nova Matriz, em Santa Luzia, tendo, porém, voltado à comunidade de Roça Grande, milagrosamente, por três vezes, aparecendo sobre uma pedra, hoje conservada atrás do altar-mor, sob a imagem do padroeiro. A imagem permaneceu definitivamente na igreja, que se tornou centro de romarias, atraindo centenas de fiéis todos os anos, desde então, para as festividades do dia de Santo Antônio.

Figura 01 – Santuário Arquidiocesano de Santo Antônio da Roça Grande, durante as festividades de Santo Antônio, no mês de junho. Fonte: Arquidiocese de Belo Horizonte. Disponível em: <https://arquidiocesebh.org.br/santuario-santo-antonio/paroquia/historia/> (sem data).

Com o passar dos anos, o povoado teve sua fisionomia urbana totalmente alterada, perdendo as características de vilarejo colonial. Em inícios do século XX, a igreja de Santo Antônio, ainda em estado precário, também foi modificada. Buscando mais espaço para os fiéis, foi decidido se construir uma nova capela, demolindo-se a antiga edificação. O local de construção deveria ser o mesmo, “(…) visto a antiga capella ser tradicional e exercer grande influência na fé dos catholicos”. Zoroastro Passos menciona que sua demolição teria ocorrido após o ano de 1915 (1942, p. 34), entretanto em Livro de Atas (1932-1960), localizado no Arquivo Arquidiocesano de Belo Horizonte, constam reuniões em que se discutiam sobre a “reconstrução” da igreja e sobre a guarda de seus bens, “imagens e ornamentos”, na sacristia, no ano de 1933: “[…] os trabalhos da Capella, deveriam ser começados pelo corpo da Capella, ficando as duas sachristias servindo para encerramento das imagens, guardado dos ornamentos e Capella para orações, e só ser demolida estas, quando os trabalhos assim permitissem […]”. Presume-se, portanto, que a ereção do novo edifício ocorreu concomitantemente com a demolição da primitiva capela.

No mesmo Livro de Atas, em reunião datada de março de 1943, foram apresentadas as contas das obras para serem examinadas e, ainda, a planta do altar-mor, para ser submetida à aprovação da administração. Como a execução do altar-mor, e demais elementos artísticos, costumeiramente, é efetuada em fases de finalização das obras arquitetônicas, calcula-se que a construção da nova capela tenha sido concluída nesse mesmo ano. Foi erigida, posteriormente, a Sala dos Milagres (1948), sendo o espaço utilizado para ampliação da capela-mor no ano de 1954. Uma nova Sala dos Milagres foi erguida em 1960.

Figura 02 – Santuário Arquidiocesano de Santo Antônio – Roça Grande. Fonte: Inventário do Patrimônio Cultural, 21/12/2016.

Com a nova construção, a igreja perde suas feições originais, deixando seu antigo estilo colonial, não apresentando, agora, estilo arquitetônico definido. Ainda guarda, no entanto, algumas peças remanescentes da antiga capela, subsistindo dois retábulos colaterais, localizados junto ao arco-cruzeiro, um deles, do lado do Evangelho, em estilo Dom João V; e outro, executado em estilo rococó, localizado no lado da Epístola Permaneceram, também, a balaustrada do coro e algumas peças de imaginária.

Atualmente, a igreja é conhecida pela população local como “igreja velha” ou “ermida”, devido à ereção de uma nova edificação na década de 1980, em terreno próximo, de maiores dimensões, para atender ao crescimento do número de fiéis em romaria. Esta, conhecida como “igreja nova”, teve sua execução proposta pelo então pároco Padre Antônio de Moura Lima e, em 1982, já estava sendo erguida. Para este fim, foram recolhidos donativos espontâneos e editados carnês pagos pelos fiéis, para as obras de fundação, que se esperava estivessem concluídas em setembro daquele mesmo ano. Hoje, o espaço conta com capacidade para mil pessoas onde são celebradas as missas de domingo e a trezena de Santo Antônio, realizada no mês de junho, quando o Santuário recebe em torno de 20 mil romeiros.

Ambas, ainda segunda década do século XXI passaram por novas intervenções que marcaram a alteração de suas volumetrias e acabamentos. Na “igreja velha”, foi ampliada a parte posterior à capela-mor, sendo alteado o telhado e criado um novo pavimento, mantendo os mesmos modelos de esquadrias e telhado (em duas águas com vedação em telha cerâmica). As fachadas foram pintadas em tom bege e amarelo. Na “igreja nova” as alterações foram mais significativas na fachada frontal, com a conclusão da torre avançada em relação ao prédio, revestimentos cerâmicos e nova pintura. Internamente os acabamentos do presbitério e forro também foram realizados, para melhor acolher os fiéis e ornamentação do espaço.

Figura 03 –  “Igreja nova” – Santuário Arquidiocesano de Santo Antônio – Roça Grande. Fonte: Inventário do Patrimônio Cultural, 05/11/2009.

A capela de Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Grande permaneceu como filial de Santa Luzia até 1836, quando foi incorporada à paróquia de Nossa Senhora da Conceição, de Sabará, pela lei nº 50, de 08 de abril, sendo anexada já no século XX, à Paróquia de Nossa Senhora do Rosário. Sua volta à condição de sede paroquial só ocorreu novamente em 1999, sendo, ainda, consagrado à condição de Santuário Arquidiocesano, o que se confirma pelo Decreto 512, de criação da paróquia.

Além da Matriz, a Paróquia compreende duas capelas-comunidades – Nossa Senhora do Rosário, no bairro Rosário, e São Judas Tadeu, no bairro Sobradinho. Conta, ainda, com vários projetos de cunho social, como o “Pão de Santo Antônio”, que atende à população carente do entorno; o projeto “Roça Grande Melhor”, que atende crianças e adolescentes em risco social; e o “Projeto Quatro Operações”, pelo qual são prestados serviços de psicologia e nutrição à comunidade local.

Referências bibliográficas e fontes:

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e notas por Andrée Mansuy Diniz Silva. São Paulo: EDUSP, 2007.

ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do Vice-rei do Estado do Brasil. Rio de Janeiro: Typografia de Silva Porto, 1822. t. 3.

ARQUIVO ARQUIDIOCESANO DE BELO HORIZONTE. Livro de Atas: Capela de Santo Antônio da Roça Grande. Sabará, 1932-1960.

ARQUIVO ARQUIDIOCESANO DE BELO HORIZONTE. Pasta Roça Grande, Caixa 523, Sala 10.

ÁVILA, Affonso. Igreja e Capelas de Sabará. Revista Barroco, Belo Horizonte, v. 8. p. 21-65, 1976.

BARREIROS, Eduardo Canabrava. Roteiro das esmeraldas: a bandeira de Fernão Dias Pais. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1979.

CARTAS de Sesmarias. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, Ano 2, v. 2, p. 257-269, abr./jun. 1897.

COSTA, Joaquim Ribeiro da. Toponímia de Minas Gerais: com estudo histórico da divisão territorial administrativa. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1970.

INVENTÁRIO do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de Belo Horizonte: Igreja Matriz de Santo Antônio (“Igreja Velha”) – Sabará (MG) / Coordenação: Mônica Eustáquio Fonseca. Belo Horizonte: Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, 2016.

INVENTÁRIO do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de Belo Horizonte: Igreja Matriz de Santo Antônio (“Igreja Nova”) – Sabará (MG) / Coordenação: Mônica Eustáquio Fonseca. Belo Horizonte: Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, 2016.

INVENTÁRIO do Patrimônio Imaterial. Santo Antônio de Roça Grande. Coordenação: Luciana Araújo (em produção).

PASSOS, Zoroastro Viana. Em torno da história do Sabará. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1942. v. 2.

TRINDADE, José da Santíssima; OLIVEIRA, Ronald Polito de. Visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade: 1821-1825. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998.

TRINDADE, Raimundo Octavio da. Instituições de igrejas no bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945.

VASCONCELOS, Diogo de. História antiga de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. v. 1.

[1] Possui graduação em História pela PUC-Minas (2007), e atualmente é aluna do mestrado em Artes da Escola de Belas-Artes da UFMG. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.

[2] Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-Minas (2014), e pós-graduação em Patologia, Terapia e Manutenção de Edificações (2018) pela mesma universidade. Atualmente é aluno do mestrado em Artes da Escola de Belas-Artes da UFMG. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.



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