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[Artigo] O rito da comunhão na celebração da Eucaristia-Padre Márcio Pimentel, Secretariado Arquidiocesano de Liturgia de BH

Muita gente talvez ignore ou tenha esquecido que a comunhão na Celebração Eucarística, por parte dos fiéis, é uma prática recuperada com a reforma litúrgica.

Antes, enquanto ainda estava em uso o Missal de Pio V, o costume de a comunidade comungar após o sacerdote presidente não era mais tão natural. O grande estudioso e historiador da Missa, Jungmann, em seu célebre Missarum Solemnia escreve que a comunhão dos fiéis era tratada como uma espécie de “corpo estranho que não pertenceria à estrutura da liturgia do Missal e por isso poderia ser omitida.”1 Todos sabemos que a incursão em um mandamento da Igreja para que se comungue ao menos pela Páscoa da Ressurreição é resposta a uma crise da comunhão sacramental por parte dos fiéis.

A forma de comungar também sofreu diversas mudanças com o passar dos anos. É importante recordar que, nos albores da Eucaristia, a dimensão convivial era muito ressaltada. A entrega oblativa de Cristo Jesus aos seus fora por ele celebrada não em rito sacrifical, mas numa refeição. Conforme os evangelhos, o lugar da derradeira Ceia de Jesus, na qual a Eucaristia é instituída e nos é apresentado o banquete como memorial é o cenáculo, um refeitório. Enrico Mazza nos lembra que, naquela época, o rito da comunhão estava naturalmente ligado à prece eucarística. Citando a Didaqué, nos faz perceber que isso era natural para uma comunidade nascida do judaísmo, acostumada às ceias rituais2.

Com o passar do tempo, no período pastrístico, em especial nos séculos IV e V, quando já se concebia um rito da comunhão para além da prece eucarística; quando a teologia sacramentária já se esboçava com os Santos Padres e numa época em que a mistagogia brilhava como catequese mais fina e específica para a prática litúrgica e a vida cristã, a comunhão foi deslocada para o altar. Toda a comunidade podia se aproximar. Há uma belíssima homilia de São João Crisóstomo lida na Quaresma no Ofício de Leituras que fala sobre o altar no centro da comunidade para que ela pudesse se aproximar sem receios e obstáculos. Mais tarde, com o aparecimento dos Ordini romanos, aqui e ali se faz notar a migração da comunhão para “outra mesa” que não o altar. A liturgia galicana é a responsável por esta transição: do altar à cancela que separa a nave do recinto onde se encontra o altar.3 Daí para a frente veio a proibição das mulheres de terem acesso ao altar, até mesmo para recolher a toalha para lavá-la.

A reforma litúrgica, sem mimetizar formas da antiguidade, mas recuperando costumes mais genuínos, proporcionou, com o Rito da Comunhão plenamente integrado e reconhecido no edifício ritual da Missa, o retorno da comunhão dos fiéis junto com aquele que a preside. Após a reforma, seja com a adaptação dos lugares de culto, seja com as novas construções concebidas a partir do rito previsto nos livros litúrgicos reformados, o altar voltou à forma de mesa da Ceia, como nas origens. Também desapareceram os obstáculos para dar livre acesso livre dos fiéis (homens ou mulheres) ao único lugar – por excelência – no qual deveriam participar da comunhão. Não há mais um lugar para a comunhão do clero e outro para a comunhão do povo. Como nas origens, e seguindo o desejo de Jesus, uma só Mesa ao redor do Corpo sacramental do Filho Único.

Afinal, se temos hoje pão e vinho sobre os quais Cristo mesmo eleva ao Pai a ação de graças, unido à sua Igreja pela força do Espírito, não é para outro fim (ao menos primário): permitir que nos tornemos, nEle, um único Corpo. E, assim transfigurados, como Corpo do Cristo morto e ressuscitado, prolongar no mundo sua missão. Esse é o verdadeiro culto daqueles que o adoram em espírito e verdade: uma vida oferecida como sacrifício de louvor, porque completamente identificada com o Filho Amado.

1JUNGMANN, J. A. Missarum Solemnia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 802.
2MAZZA, Enrico. Rendere Grazie. Bologna: EDB, 2010, p. 398. Idem, p. 403. Ver tb. a descrição de JUNGMANN,
3J.A. Idem, p. 814.

 

 



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