A quaresma é para nós uma escola da vida. Não podemos realizar nossa prática de cristãos em relação ao ‘fazer penitência’ somente nesse tempo quaresmal, mas esse é o tempo propício que irá nos conduzir para uma nova experiência de vida alimentada de uma espiritualidade que dá sentido à vida.
O jejum, na sua forma mais tradicional, está presente nas nossas origens religiosas mais remotas. Em geral era praticado num sentido penitencial ou preparatório. O jejum não se refere a uma prática de alguns sacrifícios alimentares rituais, mas sim renunciar ao projeto de sucesso pessoal para encontrar sua vida na comunhão de bens e de vida com seu irmão e com Deus.
Na liturgia da palavra logo no início da quaresma somos chamados a fazer a experiência de deserto, do qual Deus nos convoca para o arrependimento de nossas faltas, nos preparando para a caminhada penitencial. É o Senhor que nos diz: “Voltem para mim de todo coração, jejuando, chorando e se lamentando, em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim o coração”. Voltem para o Senhor, nosso Deus, pois ele é bondoso e misericordioso; é paciente e muito amoroso e está sempre pronto a mudar de ideia e não castigar (Jl 2,12-13). Iniciando o período quaresmal, já no primeiro domingo (não importa se seja ano A, B e C) recebemos a reflexão de textos bíblicos, celebrados na liturgia que nos ilumina sobre o aspecto preparatório.
No tempo de Jesus, os fariseus e os discípulos do Batista jejuavam, com zelo (Mt 9,19; Mc 2,18, Lc 5,33), duas vezes por semana (Lc 18,12), nas segundas-feiras e quintas-feiras. Para distinguir os cristãos dos judeus, era recomendável que eles jejuassem nas quartas-feiras e sextas-feiras.
Hoje, segundo o Código de Direito Canônico, no Cânon 1251, estabelece que se devem guardar “a abstinência e o jejum na Quarta-feira de Cinzas”, que dá início à Quaresma, “e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”, que precede a solenidade do Domingo de Páscoa. Tradicionalmente, muitos católicos, em todo o mundo procuram não comer carne nas quartas-feiras e na sextas-feiras. Associadas ao jejum, também pode-se escolher outros tipos de privações.
Na forma penitencial ou preparatória o Jejum não se separa da oração. Não é um outro exercício a mais na caminhada da quaresma. Mas é uma maneira de cuidado consigo mesmo, de atenção a si próprio. O jejum põe o próprio corpo, desde suas condições elementares básicas, em atitude de sentido, de vigília. Os efeitos desse exercício quaresmal nos produzem experiências de encontro com Deus.
A esmola como gesto quaresmal
A esmola como exercício quaresmal não é sobra que se dá nas esquinas. Não é um gesto para se exercer em tempos determinados. Ela não se limita a um gesto externo, mas é a acolhida em seu coração do irmão pobre. Esse exercício para conversão é caridade exercida em prol do outro no âmbito individual e social, que faz parte integrante da espiritualidade cristã não como adendo, mas como elemento sem o qual a fé seria força alienante. Nesse sentido, a esmola não é, no sentido da nossa fé, algo dado com olhar soberbo, de cima para baixo. É um ato da fé.
A oração como exercício de conversão
O ser humano estabelece com Deus formas variadas de relacionamento e entre elas a oração é usada como modo mais ordinário. De joelhos, sentado, deitado, de olhos abertos ou fechados, homens e mulheres de culturas diferentes, religiões diversas, procuram entrar em contato com alguma divindade.
Na quaresma, a oração é um exercício especial. No chamado à conversão, a resposta é fundamentada na oração. A conversão que vem pela oração não esmaga o ser humano. Antes traz a liberdade para abraçar nossa natureza mais profunda (imagem de Deus), ofuscada pela experiência do pecado. A oração nos conecta com Deus e nos conduz a uma relação: comigo mesmo, com Ele e com o irmão. Com o jejum a oração atravessa o corpo rumo a Deus e atinge o coração na sua intimidade e gera compaixão por quem sofre.
Neuza Silveira de Souza. Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.